Em sua famosa obra “Vigiar e Punir,” o estruturalista MICHEL FOUCAULT[1] traça uma rica análise crítica do sistema prisional. Para estabelecer tal crítica, FOUCAULT parte da micro-física do poder, teoria que afirma a existência de um poder social fragmentado. Nos quadrantes desta teoria, cada instituição da sociedade (família, escola, prisão, etc.) produziria um saber próprio (pedagogia, psiquiatria, etc.) e com este saber estabeleceria e justificaria seu poder.
A prisão, concentrando um poder-saber próprio, seria não mais que um subsistema do sistema capitalista, servindo como instrumento, através de sua estrutura militarizada e verticalizada, para educação dos corpos, tornando-os dóceis e úteis para a produção.
Ademais, nota FOUCAULT, o sistema punitivo é claramente seletivo. ZAFFARONI[2] observa com propriedade que se este sistema não fosse dirigido pela seletividade, punindo a todos os autores de crimes indistintamente, estaria armado um colossal disparate, porquanto todos os membros da sociedade, no mínimo uma ou duas vezes, cairiam nas garras punitivas do Leviatã.
Identificando esta seletividade do sistema punitivo, FOUCAULT revela a existência de uma separação da criminalidade entre ilegalidade e delinqüência, engendrada inescrupulosamente pelas classes dominantes como forma de oprimir criminalizando (delinqüência) e se fortalecer enquanto classe através do crime (ilegalidade), tratado com impunidade pelas agências do sistema penal.
Além de seletiva é patente que a prisão não contribui na redução da criminalidade, pelo contrário, oferece condições para o desenvolvimento do crime organizado.
Segundo FOUCAULT, há evidente distanciamento entre os objetivos ideológicos e reais do sistema prisional. A repressão e a redução da criminalidade foram eleitos como objetivos ideológicos da pena de prisão, no entanto, seus reais objetivos são diametralmente opostos, a saber, a repressão seletiva e a organização da delinqüência. Se em relação aos seus objetivos ideológicos a prisão nasceu fracassada, em relação aos seus objetivos reais ela sempre foi um estrondoso sucesso.
Ante a falência do sistema prisional, utilizado como instrumento de classe e incapaz de conter a criminalidade, urge uma resposta alternativa.
As penas restritivas de direito despontam como uma interessante e efetiva resposta na solução deste problema. Além de custar menos aos cofres públicos, dão provas inegáveis de maior eficiência. Segundo dados do Ministério da Justiça o percentual médio de reincidência no sistema carcerário brasileiro gira em torno dos 65%. Quando se aplica as penas alternativas este percentual despenca para diminutos 5%.
Infelizmente, os paladinos da severidade penal, que inundam as instituições democráticas e a imprensa brasileira com seus discursos terroristas, só fazem impedir o avanço da aplicação destas medidas alternativas, prestando um desserviço a todos - tanto a sociedade amendrontada com o avanço do crime organizado, quanto aos seres humanos, tratados como ratos nos cárceres fétidos desta dita civilização.
[1] FOUCALT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 27ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
[2] ZAFFARONI, E. Raúl. Em busca das penas perdidas. Rio de Janeiro: Revan , 1991.
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