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quinta-feira, outubro 25, 2007

A máquina penal

"Está bem então: eliminem o povo, reprimam-no, reduzam-no ao silêncio. Porque o iluminismo europeu é mais importante do que o povo." F. Dostoievski

O juiz competente sorve o café com os olhos fixos nos autos do processo. Célere e competente não se põe a divagar: crime é o tipificado, o positivado. Castigo também. A máquina punitiva exige profissionais hábeis: lubrifique a roldana, aperte o parafuso, verifique as engrenagens. As vítimas, enfileiradas, encurvadas, algemadas, são postas em movimento pela esteira da civilização, depois esmagadas por frios metais.

A carnificina produzirá paz social, prometem os palradores mergulhados em fofos coxins. Leviatã lambe os beiços, o néctar rubro escorrendo-lhe pelo enrugado pescoço.

"A carne mais barata do mercado é a carne negra, negra, negra...
que vai de graça pro presídio
e pára debaixo de plástico
que vai de graça pro subemprego
e pros hospitais psiquiátricos
que fez e faz história pra caralho
segurando a porra deste país no braço, meu irmão..."

Profeta Seu Jorge

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sexta-feira, abril 20, 2007

Democracia e Educação

É natural que a consolidação da democracia se dê por um processo mais ou menos lento, mormente em um país de dimensões continentais e realidades tão díspares como o nosso. Há que se fazer um esforço permanente para irradiar a todas as instâncias de poder a instalação do processo democrático, e só então teremos uma democracia autêntica, construída efetivamente pelo povo e não simplesmente imposta como regime político.

Como é cediço, o clientelismo político é prática ainda corrente entre nós, e emerge sempre como elemento antagônico a instalação daqueles processos democráticos. Uma barreira que precisa ser constantemente superada.

Um setor especialmente afetado pelo clientelismo são os estabelecimentos de ensino de Educação Básica, sobretudo em razão da nossa descentralização de competências administrativas no que tange a educação.

A escolha de diretores de estabelecimento de ensino no Brasil contempla as formas mais usuais de um clientelismo amparado e mesmo incentivado pela legislação e pelos Tribunais.

A Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação editou um Caderno indicando as formas mais usuais de provimento ao cargo de diretor. Cito as principais: 1) diretor livremente indicado pelos poderes públicos; 2) diretor aprovado em concurso público e 3) eleição direta para diretor.

Versa o art. 37, II da Constituição Federal que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.

A leitura do artigo supracitado indica as únicas duas formas de acesso a cargo público: 1) concurso público; ou 2) livre nomeação, nos casos de cargo em comissão. Ou seja, das formas de provimento para cargo de diretor indicadas pelo Ministério da Educação, apenas as duas primeiras recebem amparo legal. Nestes termos, a legislação (pasmem!) proíbe a eleição direta para diretor.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal vêm declarando a inconstitucionalidade de dispositivos de várias Constituições Estaduais que garantiam a eleição direta para diretor nos estabelecimentos de ensino dos respectivos Estados.

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, ARTIGO 213, § 1º. LEIS GAÚCHAS NºS 9.233/91 E 9.263/91. ELEIÇÃO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE DIRETORES DE UNIDADE DE ENSINO. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. É competência privativa do Chefe do Poder Executivo o provimento de cargos em comissão de diretor de escola pública. 2. Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, artigo 213, § 1º, e Leis estaduais nºs 9.233 e 9.263, de 1991. Eleição para o preenchimento de cargos de diretores de unidade de ensino público. Inconstitucionalidade. Ação Direta de Inconstitucionalidade procedente. (STF, ADIn 578-RS)

Ocorre que até o Ministério da Educação, que indica naquele Caderno a eleição direta como a melhor forma de provimento ao cargo de diretor, parece ignorar que as normas que disciplinam esta forma de provimento estão sujeitas a qualquer momento a declaração de inconstitucionalidade pelo Judiciário.

A Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte, bem como as LO de vários municípios brasileiros e Constituições Estaduais garantem a eleição direta como forma de provimento ao cargo de diretor. No entanto, tais leis estão sujeitas a perder sua validade por eventual declaração de inconstitucionalidade. Ademais, vários municípios e estados continuam usando e abusando do clientelismo político permitido (e incentivado) pela norma legal.

Portanto, parece-me razoável (e é estranho que depois de algumas pesquisas não encontrei ninguém sustentando isto) uma mudança urgente no texto constitucional, por meio de Emenda, que permita, no caso especial de diretor de estabelecimento de ensino, o provimento por eleições diretas.

Estarei pesquisando sobre o tema, e convoco todos os (poucos) leitores deste blog a juntar-se a mim, em nome de uma democracia que precisa ser concretizada.

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NOTA: Ao ler os votos proferidos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal na citada ADIn 578-RS pude perceber que em relação a matéria existem vozes divergentes (leia-se, lúcidas) naquela Corte. Sustenta o notável ministro Marco Aurélio Mello, que votou pelo indeferimento da ADIn, que faz-se necessário, no caso, considerar a força do princípio federativo, permitindo aos Estados-membros, em suas respectivas Constituições Estaduais, a definição da forma de provimento de diretores das escolas públicas, até porque a própria Constituição da República descentralizou a competência legislativa em matéria de educação. O ministro Sepúlveda Pertecence, por sua vez, observa com lucidez que a gestão democrática na educação, positivada na Carta Constitucional (art. 206, CF/88) abriu margem a que as Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais, se for o caso, estabeleçam, para escolha de diretores de escola, sistema diverso daqueles inscritos no citado art. 37, II, CF/88.

Os votos pelo deferimento da ADIn foram, curiosamente, de ministros que já deixaram a Corte (Maurício Correa, Néri da Silveira e Carlos Velloso) e que representavam um grupo conservador que vem perdendo espaço no Supremo. É até dispensável dizer que os votos vencedores daqueles ministros estão fundamentados em vetustas compreensões do Direito e da teoria do Estado, atreladas a um paradigma liberal, insustentável no Estado Democrático de Direito encapado pela Carta de 1988. O ministro Maurício Correa, por exemplo, invoca o princípio da separação dos poderes para deferir a ADIn (o Legislativo não poderia interferir em nomeação atribuída ao Executivo.)

Com a nova composição da Corte é possível que a questão tome novos rumos em ADIns que porventura venham a ser ajuizadas. É esperar para ver.

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sábado, março 03, 2007

Código Penal para os coronéis

Vez ou outra perguntam-me se ainda estou vivo. É que minha alienação em relação ao que se passa ao meu redor é cada vez maior, e isto sem um pingo de dor na consciência. Não vejo TV, leio apenas o caderno "Cultura" dos jornais e prefiro dormir ao som do violão celestial de Yamandú que ouvindo as notícias do dia na CBN.

Ouvi de algumas pessoas que há quem esteja propondo a transferência da competência para legislar sobre matéria penal da União para os Estados. Confesso que fiquei um pouco preocupado. Afinal, o atual cenário de crise é adequado para perpetração destas insanidades.

O menino morreu com requintes de barbaridade à la Scorsese (que finalmente levou suas estatuetas para casa) e os belos argumentos não faltam.

Nosso federalismo é de mentirinha. Verdade. A impunidade é geral. Verdade.

Solução: cada Estado vai ter seu próprio Código Penal.

Não é assim que funciona lá nos Estados Unidos? E não foi de lá que importamos o presidencialismo e o federalismo? Importemos então mais essa belíssima idéia.

Precisamos dar um jeito no nosso federalismo artificial, mas não se faz isso trazendo para os Estados a competência para legislar sobre matéria penal. Falta autonomia aos Estados e municípios porque falta recurso, porque nosso sistema tributário é perverso. Filho sem emprego ganha a maioridade mas continua dependendo dos pais.

Dar aos Estados competência para legislar sobre Direito Penal é oferecer aos coronéis meios eficazes de criminalizar as massas e os movimentos sociais conforme as vicissitudes de seus feudos, e tudo isto sob o belíssimo argumento de que precisamos refazer nosso pacto federativo e de tabela acabar com a impunidade.

Por estas e por outras prefiro continuar dormindo ao som de Yamandú. Afinal, é preciso aproveitar, porque amanhã ouvir o chorinho de um gaúcho pode virar crime em Minas.

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segunda-feira, janeiro 29, 2007

Penas alternativas

Em sua famosa obra “Vigiar e Punir,” o estruturalista MICHEL FOUCAULT[1] traça uma rica análise crítica do sistema prisional. Para estabelecer tal crítica, FOUCAULT parte da micro-física do poder, teoria que afirma a existência de um poder social fragmentado. Nos quadrantes desta teoria, cada instituição da sociedade (família, escola, prisão, etc.) produziria um saber próprio (pedagogia, psiquiatria, etc.) e com este saber estabeleceria e justificaria seu poder.

A prisão, concentrando um poder-saber próprio, seria não mais que um subsistema do sistema capitalista, servindo como instrumento, através de sua estrutura militarizada e verticalizada, para educação dos corpos, tornando-os dóceis e úteis para a produção.

Ademais, nota FOUCAULT, o sistema punitivo é claramente seletivo. ZAFFARONI[2] observa com propriedade que se este sistema não fosse dirigido pela seletividade, punindo a todos os autores de crimes indistintamente, estaria armado um colossal disparate, porquanto todos os membros da sociedade, no mínimo uma ou duas vezes, cairiam nas garras punitivas do Leviatã.

Identificando esta seletividade do sistema punitivo, FOUCAULT revela a existência de uma separação da criminalidade entre ilegalidade e delinqüência, engendrada inescrupulosamente pelas classes dominantes como forma de oprimir criminalizando (delinqüência) e se fortalecer enquanto classe através do crime (ilegalidade), tratado com impunidade pelas agências do sistema penal.

Além de seletiva é patente que a prisão não contribui na redução da criminalidade, pelo contrário, oferece condições para o desenvolvimento do crime organizado.

Segundo FOUCAULT, há evidente distanciamento entre os objetivos ideológicos e reais do sistema prisional. A repressão e a redução da criminalidade foram eleitos como objetivos ideológicos da pena de prisão, no entanto, seus reais objetivos são diametralmente opostos, a saber, a repressão seletiva e a organização da delinqüência. Se em relação aos seus objetivos ideológicos a prisão nasceu fracassada, em relação aos seus objetivos reais ela sempre foi um estrondoso sucesso.

Ante a falência do sistema prisional, utilizado como instrumento de classe e incapaz de conter a criminalidade, urge uma resposta alternativa.

As penas restritivas de direito despontam como uma interessante e efetiva resposta na solução deste problema. Além de custar menos aos cofres públicos, dão provas inegáveis de maior eficiência. Segundo dados do Ministério da Justiça o percentual médio de reincidência no sistema carcerário brasileiro gira em torno dos 65%. Quando se aplica as penas alternativas este percentual despenca para diminutos 5%.

Infelizmente, os paladinos da severidade penal, que inundam as instituições democráticas e a imprensa brasileira com seus discursos terroristas, só fazem impedir o avanço da aplicação destas medidas alternativas, prestando um desserviço a todos - tanto a sociedade amendrontada com o avanço do crime organizado, quanto aos seres humanos, tratados como ratos nos cárceres fétidos desta dita civilização.


[1] FOUCALT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 27ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

[2] ZAFFARONI, E. Raúl. Em busca das penas perdidas. Rio de Janeiro: Revan , 1991.


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