sábado, março 03, 2007

Código Penal para os coronéis

Vez ou outra perguntam-me se ainda estou vivo. É que minha alienação em relação ao que se passa ao meu redor é cada vez maior, e isto sem um pingo de dor na consciência. Não vejo TV, leio apenas o caderno "Cultura" dos jornais e prefiro dormir ao som do violão celestial de Yamandú que ouvindo as notícias do dia na CBN.

Ouvi de algumas pessoas que há quem esteja propondo a transferência da competência para legislar sobre matéria penal da União para os Estados. Confesso que fiquei um pouco preocupado. Afinal, o atual cenário de crise é adequado para perpetração destas insanidades.

O menino morreu com requintes de barbaridade à la Scorsese (que finalmente levou suas estatuetas para casa) e os belos argumentos não faltam.

Nosso federalismo é de mentirinha. Verdade. A impunidade é geral. Verdade.

Solução: cada Estado vai ter seu próprio Código Penal.

Não é assim que funciona lá nos Estados Unidos? E não foi de lá que importamos o presidencialismo e o federalismo? Importemos então mais essa belíssima idéia.

Precisamos dar um jeito no nosso federalismo artificial, mas não se faz isso trazendo para os Estados a competência para legislar sobre matéria penal. Falta autonomia aos Estados e municípios porque falta recurso, porque nosso sistema tributário é perverso. Filho sem emprego ganha a maioridade mas continua dependendo dos pais.

Dar aos Estados competência para legislar sobre Direito Penal é oferecer aos coronéis meios eficazes de criminalizar as massas e os movimentos sociais conforme as vicissitudes de seus feudos, e tudo isto sob o belíssimo argumento de que precisamos refazer nosso pacto federativo e de tabela acabar com a impunidade.

Por estas e por outras prefiro continuar dormindo ao som de Yamandú. Afinal, é preciso aproveitar, porque amanhã ouvir o chorinho de um gaúcho pode virar crime em Minas.

* * * *

9 comentários:

Felipe Fanuel disse...

Caro Alysson,

Confesso que sou teimoso e curioso demais para não ver TV. Dá uma sensação estúpida de que estou fora do mundo. Sinceramente, não adianta muita coisa apertar o "power" do meu controle, pois não tem nada de bom na famigerada telinha ultimamente. Tanto que acabei de ler sua postagem e, por causa do que li, desliguei a caixa eletrônica de ilusões. Assisti a apenas um programa que se pretende fantástico, mas que, na realidade, descobriu que o censacionalismo da violência é o show que dá ibope. (ahrgh!)

Convenço-me, cada vez mais, de que só tem maluco nesse país. Quem disse essa "pérola" de dar autonomia aos estados foi o governador do Rio, Sérgio Cabral. A coisa mais infeliz que alguém possa pensar para a solução do problema da violência é achar que os governadores podem pintar e bordar como bem quiserem. A gente sabe que essa democracia está em bancarrota justamente pela carência de gente que não queira poder. E agora vem um sujeito e pede condições para ser um "coronel" mais poderoso?

Onde está a eficiência desse aspirante à presidência — apostem: quem fala essas asneiras quer chegar lá — para provar que é capaz de governar com o que tem? Ninguém deveria pedir poder antes de ser capaz de saber administrá-lo. Aliás, o fato de querer poder já é uma evidência de que o indivíduo passa longe de ter consciência do seu papel no processo de maturidade democrática de um Estado.

Por favor, não façam isso com nossa gente! Chega de déspotas para trazer sofrimento a esta tão sofrida nação! É hora de chorar, porque há muitos morrendo sem sequer terem o direito do luto. Estes senhores — "filhos da p.", como cantam os Titãs — querem construir uma imagem em cima de tragédias. São bons no teatro, na retórica, na arte que não imita a vida, porque estão desligados do mundo real, querem pensar em fantasias, tais como aquela de transformar o Brasil verde-amarelo-que-já-foi-império-colônia-e-é-mestiço-católico-dionisíaco em um EUA azul-vermelho-que-não-foi-império-e-não-é-mestiço-mas-é-protestante-apolíneo. Eles não cabem aqui. Nós não cabemos lá. Pelo amor de Deus, vamos aprender a ser Brasil-Brasil, por mais esdrúxulo que isso pareça!

Abraço para vc, amigão. Desejo-lhe muita força para esta semana!

Anônimo disse...

Grande Alysson!
Alguém disse:( e não agora por conta dessa conversa toda de maioridade penal...já faz tempo..)
"Eduque a criança, e não será necessário punir o adulto."
Se valorizássemos a criança, lembrássemos de suas fragilidades e vissemos nelas as belas folhas em branco de um futuro adulto, as educaríamos de verdade e escreveríamos palavras de amor, caráter, humanidade e poesia.
Aí sim, seríamos testemunhas oculares de grandes mudanças sociais.
Se Deus nos prolongar os dias, quem sabe ainda temos chance...
Grande abraço,
Angela

Alysson Amorim disse...

Felipe,

Novamente um comentário que vale um post.

Descobri enfim o autor da pérola - uma das hienas de olho em 2010 (essas, aliás, são as piores do momento - Minas e São Paulo também tem as suas).

Esse país é danado mesmo. Não conseguimos nunca tomar as rédeas de nossa própria história. O Darcy Ribeiro falava de uma tal "incorporação histórica" e "aceleração histórica". No Brasil estamos sempre sujeitos àquela incorporação, não produzimos nada em nosso próprio solo, não inventamos nossas próprias soluções; tudo vem bem enlatado de fora. Um exemplo é o próprio federalismo. Uma invenção fantástica do gênio político estadunidense, uma solução prática para um problema que eles enfrentavam: precisavam unir as 13 colônias e para tal era necessário usurpar-lhes a soberania. Inventaram então o federalismo: primeiro como prática e só depois como teoria. As colônias perderam soberania mas ganharam uma compensação: uma ampla autonomia em relação a União. Com a instauração da nossa República adotaram por aqui o federalismo. Até aí tudo bem. O problema é que nunca conseguimos forjar um federalismo próprio, nunca conseguimos dar uma vida "mestiça" a essa idéia. Nunca entramos no processo de aceleração histórica. E o federalismo é apenas um entre outros inúmeros exemplos.

Mas não custa pelo menos sonhar com dias melhores.

Liberdade ainda que tardia!

Abs. amigão!

Ângela,

É exatamente assim. A única solução que consigo mirar é justamente essa: a educação.

Em outras palavras: lançar olhares mais tolerantes. Amar é muito difícil, mas deveríamos aprender pelo menos a tolerar.

Obrigado pela visita. Volte mais vezes. =)

Abs.

Anônimo disse...

Os Estados Unidos são sempre objeto da idolatria política. Que se copie tudo de lá!
Alguma descentralização de competência decerto faria bem ao nosso pseudofederalismo, mas a penal não! Isso é algo que os próprios estadunidenses pensam e mudar.

Alysson Amorim disse...

Caro Anderson,

Sim. Precisamos descentralizar; a autonomia dos Estados membros e dos municípios (que pelo menos na Constituição também figuram como entes federativos) é mínima.

Penso eu que nosso federalismo deve seguir o sentido inverso do federalismo estadunidense. O federalismo deles caminha mirando a centralização (centrípeto) - daí aquelas vozes que defendem a centralização da competência para legislar sobte matéria penal. O nosso deve buscar descentralizar (centrífugo). Agora, precisamos aprender a fazer isto.

Agradeço a visita.

Abs.

Tamara Queiroz disse...

Não estou bem certa de copiarmos tudo de lá 0Estados Unidos!).

Nós precisamos é inovar!

Alysson Amorim disse...

Oi Tamara!

Com certeza. Precisamos dar vida a nossa imensa criatividade (política, inclusive).

Obrigado pela visita.

Bjs.

Felipe Fanuel disse...

Ânimo pra semana, rapaz!!!

Alysson Amorim disse...

Opa!

Valeu Felipe. Ânimo dobrado (não dobre. rsrs) pra sua!