sexta-feira, julho 04, 2008

Retorno em amarelo fosco

Retorno a postar a partir de hoje no blogue Amarelo Fosco.

Conto com sua visita.

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quinta-feira, abril 24, 2008

Despedida

Após semanas moribundo, fenece aqui esse blog. Fica uma promessa mais ou menos duvidosa de que voltarei a postar em outro tempo e espaço.

Não se trata de desapego religioso ou qualquer outra motivação elevada, apenas de uma necessidade já remota e agora inafastável de dedicar-me com mais afinco a atividades de outra natureza.

Os encontros e desencontros, amizades e malquerenças, concordâncias e discordâncias, permanecem na forma de uma experiência que levarei comigo, satisfeito.

Meus agradecimentos.


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quarta-feira, abril 16, 2008

Chutando a escada

A liberalização da economia internacional que rebentou com a crise da década de 70 e agigantou-se entre os destroços do Muro de Berlim é sintomática de uma medida drástica cujo objetivo mais inequívoco seria proteger e conservar a hegemonia norte-americana. Um kicking away the ladder (chutando a escada) na polêmica tese sustentada pelo economista coreano Ha-Joon Chang.

Chang sustenta que nenhuma hegemonia capitalista mundial se edificou sobre alicerces puramente liberais. A Inglaterra oitocentista passou ao largo de ser mera espectadora de uma mão invisível. Foi, ao contrário do que se apregoa, mais drasticamente protecionista em suas relações internacionais que sua rival França. Até 1846, data de revogação das leis que definiam pesadas tarifas alfandegárias a importação do trigo, a Inglaterra usava largamente medidas protecionistas como taxas alfandegárias e subsídios para exportação. O imperialismo de livre comércio inglês erigiu-se, paradoxalmente, sobre bases protecionistas. A liberalização só passa a ditar os rumos da economia internacional quando a Inglaterra alcança o topo da escada.

Também os Estados Unidos dependeram do protecionismo para erigir seu império. O keynesianismo é seguramente o exemplo mais imediato, embora não seja o único. Antes mesmo da crise de 1929 os norte-americanos abusavam de medidas protecionistas.

A atual tendência liberalizante da economia internacional é interpretada pelas lentes de Chang como o chute na escada executado pelos Estados Unidos. Giovanni Arrighi, manejando o conceito gramsciano de hegemonia, afirma que “um Estado dominante exerce uma função hegemônica quando lidera o sistema de Estados numa direção desejada e, com isso, é percebido como buscando um interesse geral.” Os paladinos do neoliberalismo, militando não raro no interior de organizações estratégicas como a OMC, pretendem convencer as economias em desenvolvimento que a liberalização é “direção desejada” e “interesse geral”, enfim, dogma inarredável aos Estados que postulam posição privilegiada no cenário internacional. Seguindo a senda de Chang não é difícil perceber que tudo não passa de um colossal embuste: a liberalização em um cenário de absoluta desigualdade material entre os Estados apenas reforça hegemonias e perpetua dependências. É um chute na escada.

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domingo, abril 13, 2008

A tribuna dos párias

A lufada divinamente compreensiva da literatura arquiteta argutamente a anarquia; arrasta os párias até o centro do palco, até o cume da tragicômica travessia humana. Seus gritos são finalmente libertos das amarras do silêncio forçado, sua voz é extravasada pela língua divina da poesia.

Enquanto a história distribui as batatas entre os vencedores, a poesia abuda o solo dos desvalidos. Enquanto aqueles se fartam de tubérculos, estes acolhem em casa a Poesia Encarnada.

As letras transtornam o mundo, insultam os poderosos, chicoteiam as hierarquias. No literato Jesus de Nazaré o amor é protagonizado por um desprezado Samaritano. Em Dostoiévski uma piedosa puta revela ao homicida o facho da redentora luz. Machado de Assis concede fraternalmente sua voz a um defunto enquanto Goethe torna pública as cartas atordoadas de um suicida. Thomas Hardy narra a história de um obscuro Judas e William Faulkner acompanha a travessia de uma adolescente carregando no ventre o filho da vergonha.

O Sermão do Monte é menos um sermão que uma obra literária. Jesus, o literato desprovido de pena, canta ali a imortalizada ode aos rejeitados. Bem-aventurados os samaritanos, os defuntos, os suicidas, os obscuros, bem-aventuradas as mães solteiras e as putas, porque deles, porque delas é o Reino da Poesia.

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quinta-feira, abril 03, 2008

Capitalismo, essa serpente

Giovanni Arrighi introduzindo a tese que desenvolverá em "O longo século XX"

Nossa tese é a de que, de fato, a história do capitalismo está atravessando um momento decisivo, mas essa situação não é tão sem precedentes quanto poderia parecer à primeira vista. Longos períodos de crise, reestruturação e reorganização - ou seja, de mudanças com descontinuidade - têm sido muito mais típico da história da economia capitalista mundial do que os breves momentos de expansão generalizada por uma via de desenvolvimento definida, como a que ocorreu nas década de 1950 e 1960 (...) Desde, aproximadamente, a década de 1970, têm sido fartamente observadas as mudanças no modo como funciona o capitalismo, em termos locais e globais.

(...) O ponto de partida de nossa investigação foi a afirmação de Fernand Braudel, de que as características essenciais do capitalismo histórico em sua longue durée - isto é, durante toda sua existência - foram a "flexibilidade" e o "ecletismo" do capital, e não as formas concretas assumidas por ele em diferentes lugares e épocas:
Permitam-me enfatizar aquilo que me parece ser o aspecto central da história do capitalismo: sua flexibilidade ilimitada, sua capacidade de mundança e de adaptação. Se há, segundo creio, uma certa unidade no capitalismo, da Itália do século XIII até o ocidente dos dias atuais, é aí, acima de tudo, que essa unidade deve ser situada e observada (Braudel, 1982, p.433)
(...) Parece-me que esses trechos podem ser lidos com uma reafirmação da fórmula geral de Karl Marx para o capital: DMD´. O capital-dinheiro (D) significa liquidez, flexibilidade e liberdade de escolha. O capital-mercadoria (M) é o capital investido numa dada combinação de insumo-produto, visando ao lucro; portanto, significa concretude, rigidez e um estreitamento ou fechamento das opções. D´ representa a ampliação da liquidez, da flexibilidade e da liberdade de escolha.

Assim entendida, a fórmula de Marx nos diz que não é como um fim em si que os agentes capitalistas investem dinheiro em combinações específicas de insumo-produto, com perda concomitante da flexibilidade e da liberdade de escolha. Ao contrário, eles o fazem como um meio para chegar à finalidade de assegurar uma flexibilidade e liberdade de escolha ainda maiores num momento futuro. A fórmula também nos diz que, quando os agentes capitalistas não têm expectativa de aumentar sua própria liberdade de escolha, ou quando essa expectativa é sistematicamente frustrada, o capital tende a retornar a fórmulas mais flexíveis de investimento - acima de tudo, à sua forma monetária. Em outras palavras, os agentes capitalistas passam a "preferir" a liquidez, e uma parcela incomumente grande de seus recursos tende a permanecer sob forma líquida.

(...) Ao discutir a retirada dos holandeses do comércio em meados do século XVIII, para se transformarem nos "banqueiros da Europa", Braudel sugere que essa retirada é uma tendência sistêmica recorrente em âmbito mundial. Antes, a mesma tendência se evidenciara na Itália do século XV, quando a oligarquia capitalista genovesa passou das mercadorias para a atividade bancária, e na segunda metade do século XVI, quando os nobili vecchi genoveses, fornecedores oficiais de empréstimos ao rei da Espanha, retiraram-se gradualmente do comércio. Seguindo os holandeses, essa tendência foi reproduzida pelos ingleses no fim do século XIX e início do século XX, quando o fim da "fantástica aventura da revolução industrial" criou um excesso de capital monetário.

Depois da igualmente fantástica aventura do chamado fordismo-keynesianismo, o capital dos Estados Unidos tomou um rumo semelhante nas décadas de 1970 e 1980. Braudel não discute a expansão financeira da nossa época, que ganhou impulso depois dele haver concluído sua triologia Civilisation matérielle économie et capitalisme. Não obstante, podemos reconhecer nesse "renascimento" recente do capital financeiro mais um exemplo do retorno ao "ecletismo" que, no passado, esteve associado ao amadurecimento de algum grande desenvolvimento capitalista: "[Todo] desenvolvimento capitalista deste tipo, ao atingir o estágio de expansão financeira, parece anunciar, em certo sentido, sua maturidade: [é] um sinal de outono."

Portanto, a fórmula geral do capital apresentada por Marx (DMD´) pode ser interpretada como retratando não apenas a lógica dos investimentos capitalistas individuais, mas também um padrão reiterado do capitalismo histórico como sistema mundial.

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quarta-feira, março 26, 2008

As adagas do Mistério

As lágrimas que irrigam minha face são de origem obscura, talvez alguma quadra sombria da infância, talvez alguma ameaça proferida por meus antagonistas quiméricos. Acordo embebido na substância líquida dos meus sonhos atormentados. Uma lâmina fria e imaterial está posta na minha garganta: meu tormento é menos ser fulminado por ela que desconhecer sua procedência.

O problema do homem é sua ensandecida insistência em duelar com o Mistério, o monstro cuja pele soturna é inviolável e cujas adagas aguçadas dilaceram os inquietos.

Diante do Mistério, ensinam os sábios que silêncio e quietude são as únicas alternativas prudentes.

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terça-feira, março 18, 2008

Um com a Chama

Joseph Campbell em "Tu és isso: transformando a metáfora religiosa"

Qualquer um que diga, como Jesus teria dito (João, 10:30) "Eu e Pai somos um", é declarado blasfemador em nossa tradição. Jesus foi crucificado por essa blasfêmia; e novecentos anos depois o grande místico sufi, Hallaj, foi crucificado pelo mesmo motivo. Dizem que Hallaj comparou o desejo do místico ao da mariposa pela luz. A mariposa vê uma chama dentro de um lampião, brilhando à noite e, cheio de um irresistível desejo de se unir àquela chama, voa ao redor dela até amanhecer, e depois retorna para suas amigas e lhes conta, nos mais doces termos, a história da sua experiência. "Você não parece melhor por causa disso", dizem as outras mariposas, pois as asas dela parecem cansadas: essa é a condição do asceta. Mas ela volta na noite seguinte e, encontrando um modo de atravessar o vidro, se une inteiramente à sua amada até se tornar ela própria a chama.


When Love Comes To Town (U2 & B.B. King)
[Quando o amor chegar à cidade]
Incluída tradução gentilmente feita pelo meu amigo Fanuel

I was a sailor, I was lost at sea
Eu era um marinheiro perdido no mar
I was under the waves before love rescued me.
Debaixo das ondas antes que o amor me resgatou
I was a fighter, I could turn on a thread
Eu era um lutador, podia ligar um fio
Now I stand accused of the things I've said.
Agora sou acusado de coisas que disse.

When love comes to town I'm gonna jump that train
Quando o amor chegar à cidade vou pular do trem
When love comes to town I'm gonna catch that flame.
Quando o amor chegar à cidade vou botar a mão no fogo
Maybe I was wrong to ever let you down
Talvez tivesse errado em ter te deixado pra baixo
But I did what I did before love came to town.
Mas fiz o que fiz antes que o amor chegasse à cidade

Used to make love under a red sunset
Fazia amor debaixo do pôr do sol
I was making promises I was soon to forget.
Estava fazendo promessas que logo esqueceria
She was pale as the lace of her wedding gown
Ela estava pálida como o laço de seu vestido de noiva
But I left her standing before love came to town.
Mas lhe deixei em pé antes que o amor chegasse à cidade.

I ran into a juke-joint when I heard a guitar scream
Corri para um bar quando ouvi um toque de guitarra
The notes were turning blue, I was dazed and in a dream.
As notas estavam ficando azuis, eu estava ficando tonto e sonhando
As the music played I saw my life turn around
Enquanto a música tocava vi minha vida passar
That was the day before love came to town.
Aquele era o dia antes que o amor chegasse à cidade.

When love comes to town I'm gonna jump that train
Quando o amor chegar à cidade vou pular do trem
When love comes to town I'm gonna catch that flame.
Quando o amor chegar à cidade vou botar a mão no fogo
Maybe I was wrong to ever let you down
Talvez tivesse errado em ter te deixado pra baixo
But I did what I did before love came to town.
Mas fiz o que fiz antes que o amor chegasse à cidade

I was there when they crucified my Lord
Estava lá quando crucificaram meu Senhor
I held the scabbard when the soldier drew his sword.
Segurei a bainha quando o soldado sacou a espada
I threw the dice when they pierced his side
Atirei os cravos quando lhe perfuraram
But I've seen love conquer the great divide.
Mas vi que o amor vence a grande dívida.

When love comes to town I'm gonna jump that train
Quando o amor chegar à cidade vou pular do trem
When love comes to town I'm gonna catch that flame.
Quando o amor chegar à cidade vou botar a mão no fogo
Maybe I was wrong to ever let you down
Talvez tivesse errado em ter te deixado pra baixo
But I did what I did before love came to town.
Mas fiz o que fiz antes que o amor chegasse à cidade


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