No mês da Consciência Negra, a misteriosa e rica África em duas belezas.
A primeira beleza do continente do arco-íris vem da literatura do moçambicano Mia Couto. O trecho que se segue, colhido do romance "O outro pé da sereia", me fez abandonar o livro imediatamente: há uma espécie de beleza rara que nos imobiliza.
"Mwadia sentiu-se tomada por um irreconhecível impulso que a fez entrar na água. A coberto do rio, foi se libertando das vestes. Lançou-as para a margem, peça por peça, perante o olhar aterrado do marido. O convite dela o fazia estremecer:
- Vá, Madzero, se atire. Venha para a água!
A mulher enlouquecera? Ali, na floresta dos antepassados, onde as mulheres eram proibidas, ela se estava fazendo maior que o seu tamanho? Mwadia ainda esperou, mas depois acabou saindo da água (...) O que ela fez, de seguida, foi rolar-se na areia branca da margem.
- Você está maluca, Mwadia?! Vista-se mulher!
- Estou vestida, marido. Estou vestida com a própria terra.
Mwadia Malunga fez uma concha nas mãos e recolheu água do rio. Depois, foi derramando uns pingos sobre a pele. Assim, a sua nudez se revelava, gota a gota, fresta a fresta. A terra a vestia, a água a despia.
(...)
Mwadia fechou os olhos e a si mesma se acariciou. E sonhou que as mãos que percorriam o seu corpo eram as do burriqueiro [do marido] (...) Então, cumpriu-se o destino daquela terra de miragens: o pastor [o marido] a teve, toda ela um gemido na tempestade das suas mãos. No final, o homem beijou-a como se faz nas cidades, nos filmes, nos livros. Mwadia suspirou, em suave murmúrio:
- Eu hoje estou muito eterna."
(Mia Couto, no lírico "O outro pé da sereia")
* * * *
A segunda beleza fica por conta da voz celestial do nosso Milton Nascimento, em uma homenagem aquela África que não se cala, que não deixa de presentear o mundo com sua grandeza, embora amordaçada:
A primeira beleza do continente do arco-íris vem da literatura do moçambicano Mia Couto. O trecho que se segue, colhido do romance "O outro pé da sereia", me fez abandonar o livro imediatamente: há uma espécie de beleza rara que nos imobiliza.
"Mwadia sentiu-se tomada por um irreconhecível impulso que a fez entrar na água. A coberto do rio, foi se libertando das vestes. Lançou-as para a margem, peça por peça, perante o olhar aterrado do marido. O convite dela o fazia estremecer:
- Vá, Madzero, se atire. Venha para a água!
A mulher enlouquecera? Ali, na floresta dos antepassados, onde as mulheres eram proibidas, ela se estava fazendo maior que o seu tamanho? Mwadia ainda esperou, mas depois acabou saindo da água (...) O que ela fez, de seguida, foi rolar-se na areia branca da margem.
- Você está maluca, Mwadia?! Vista-se mulher!
- Estou vestida, marido. Estou vestida com a própria terra.
Mwadia Malunga fez uma concha nas mãos e recolheu água do rio. Depois, foi derramando uns pingos sobre a pele. Assim, a sua nudez se revelava, gota a gota, fresta a fresta. A terra a vestia, a água a despia.
(...)
Mwadia fechou os olhos e a si mesma se acariciou. E sonhou que as mãos que percorriam o seu corpo eram as do burriqueiro [do marido] (...) Então, cumpriu-se o destino daquela terra de miragens: o pastor [o marido] a teve, toda ela um gemido na tempestade das suas mãos. No final, o homem beijou-a como se faz nas cidades, nos filmes, nos livros. Mwadia suspirou, em suave murmúrio:
- Eu hoje estou muito eterna."
(Mia Couto, no lírico "O outro pé da sereia")
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A segunda beleza fica por conta da voz celestial do nosso Milton Nascimento, em uma homenagem aquela África que não se cala, que não deixa de presentear o mundo com sua grandeza, embora amordaçada:
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3 comentários:
Lindo, lindo, lindo!
Alysson,
A beleza africana está muito bem representada aqui. Tanto o Mia como o Milton sabem expressar a harmonia dos extremos. Isso é beleza!
Grande abraço.
Todas as homenagens à Mãe África, tão esquecida e preterida. Você foi muito feliz na sua. Não poderia ter escolhido melhor.
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