terça-feira, setembro 25, 2007

Não olhai os lírios do campo


Deus não pode ser privatizado. Não cabe em tronos soberbos cujo acesso é restrito a um reduzido grupo de felizardos. A face do sagrado é democrática, traduz-se a todo milésimo de segundo, em cada nuance do cosmo.

Não obstante, os símbolos foram abolidos. Nosso ar é condicionado, concebido por engrenagens eletrônicas. Nossa comunicação é virtual. O sorriso digitado. Vivemos cerrados em arquiteturas quadradas e pragmáticas. Ali estaremos protegidos da ameaça divina, das sandices deste Deus polifônico. Ali somos distraídos pelas velhas inovações do mundo virtual.

Perdemos o direito de se encantar, de deixar-se levar por um verso até o reino da harmonia. A beleza exige tempo, degustação, ruminação. Ranger de rede.

Optaram por Mamon, a divindade estrita forjada em lata. Privatizado e sedento por privatizações. Por rituais de sacrifício. Sacrifício, do latim sacrificium, reporta etimologicamente ao ato ritual de fazer manifesto o sagrado. Sacrifício dos direitos trabalhistas. Sacrifício dos recursos destinados à saúde e educação. Sacrifício da água de côco e do samba. Mamon é sedento e caprichoso.

Os lírios devem crescer pelo nosso ativismo. Devem ser armados em buquês e então vendidos. Não ouse cheirá-lo por um tempo mais dilatado que aquele capaz de te convencer a comprá-lo. Não ouse extrair dele filosofias. Para estes mentecaptos foi urdida a cruz.


* * * *

12 comentários:

Dos dois lados do Equador disse...

Estressante tempos esses nosso.

Tempo de guerra ao ócio.
De matar o samba, como vc diz.

Mas, outra canção nos lembra: "não deixa o samba morrer".

Paz,

Dos dois lados do Equador disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anderson Moraes disse...

Deus foi privatizado, encaixotado, vendido no Mercado Livre e enviado por SEDEX.

Alysson Amorim disse...

Vando,

Há ainda aquela outra:

"Ela desatinou
viu chegar quarta-feira
acabar brincadeira
bandeiras se desmanchando
e ela ainda está sambando..."

O desatino é libertador.

Anderson,

O velho Marx tinha mesmo razão quanto ao fetiche da mercadoria. Há algo de divino naquele cheiro de plástico novo que chega embalado em caixotes.

O Tempo Passa disse...

Ouvi um dia que o homem se distancia de Deus quando perde a capacidade de assombrar-se (o verbo "To awe", em inglês).
Quando permitimos o assombro, Deus achega-se.
Não é?

Alysson Amorim disse...

Acho sim, Rubinho. Acho que o assombro é o próprio Mistério se achegando. Talvez seja isso o que Cristo queria dizer quando nos convocava a ser como crianças. As crianças são seres que se assombram até com uma fileira de formiguinha.

Abração.

Felipe Fanuel disse...

Querendo ou não uma hora a gente vai ter de enfrentar esse individualismo que privatiza e artificializa as dimensões mais importantes da vida humana! O problema é que a pós-modernidade não cansa em dissolver as meta-narrativas. Ou seja, está cada vez mais comum acreditar que, neste mundo, o último que sair apaga a luz.

Alysson Amorim disse...

Caro Felipe,

Dissolvendo as meta-narrativas a pós-modernidade arma um Templo inviolável a adoração de Mamons. Os gritos de revolta ouvidos nas imediações do templo vão aos poucos se incorporando ao coro dos adoradores do próprio umbigo. Estou quase lá.

alealb disse...

uauuuu
amei o seu post!
muito bom... olha, vou te colocar na listinha de blogs que indico, ok?
beijos,
alê

Alysson Amorim disse...

Alê,

Agradeço sua visita e as palavras carinhosas. Aproveito a oportunidade para também inserir seu espaço na minha lista de Recomendados.

Beijão.

Anônimo disse...

Ele veio Paratodos, os incluídos e os excluídos.

Janete Cardoso disse...

O amor de Deus é democrático (louvado seja!).O homem quer limitar o ilimitável, porque já não sabe amar. Nossas relações são virtuais, nem nos damos mais o trabalho de demonstrar sentimentos, desde que aprendemos a digitá-los...
Um abraço, Alysson! (digitado)