Deus não pode ser privatizado. Não cabe em tronos soberbos cujo acesso é restrito a um reduzido grupo de felizardos. A face do sagrado é democrática, traduz-se a todo milésimo de segundo, em cada nuance do cosmo.
Não obstante, os símbolos foram abolidos. Nosso ar é condicionado, concebido por engrenagens eletrônicas. Nossa comunicação é virtual. O sorriso digitado. Vivemos cerrados em arquiteturas quadradas e pragmáticas. Ali estaremos protegidos da ameaça divina, das sandices deste Deus polifônico. Ali somos distraídos pelas velhas inovações do mundo virtual.
Perdemos o direito de se encantar, de deixar-se levar por um verso até o reino da harmonia. A beleza exige tempo, degustação, ruminação. Ranger de rede.
Optaram por Mamon, a divindade estrita forjada em lata. Privatizado e sedento por privatizações. Por rituais de sacrifício. Sacrifício, do latim sacrificium, reporta etimologicamente ao ato ritual de fazer manifesto o sagrado. Sacrifício dos direitos trabalhistas. Sacrifício dos recursos destinados à saúde e educação. Sacrifício da água de côco e do samba. Mamon é sedento e caprichoso.
Os lírios devem crescer pelo nosso ativismo. Devem ser armados em buquês e então vendidos. Não ouse cheirá-lo por um tempo mais dilatado que aquele capaz de te convencer a comprá-lo. Não ouse extrair dele filosofias. Para estes mentecaptos foi urdida a cruz.
* * * *
12 comentários:
Estressante tempos esses nosso.
Tempo de guerra ao ócio.
De matar o samba, como vc diz.
Mas, outra canção nos lembra: "não deixa o samba morrer".
Paz,
Deus foi privatizado, encaixotado, vendido no Mercado Livre e enviado por SEDEX.
Vando,
Há ainda aquela outra:
"Ela desatinou
viu chegar quarta-feira
acabar brincadeira
bandeiras se desmanchando
e ela ainda está sambando..."
O desatino é libertador.
Anderson,
O velho Marx tinha mesmo razão quanto ao fetiche da mercadoria. Há algo de divino naquele cheiro de plástico novo que chega embalado em caixotes.
Ouvi um dia que o homem se distancia de Deus quando perde a capacidade de assombrar-se (o verbo "To awe", em inglês).
Quando permitimos o assombro, Deus achega-se.
Não é?
Acho sim, Rubinho. Acho que o assombro é o próprio Mistério se achegando. Talvez seja isso o que Cristo queria dizer quando nos convocava a ser como crianças. As crianças são seres que se assombram até com uma fileira de formiguinha.
Abração.
Querendo ou não uma hora a gente vai ter de enfrentar esse individualismo que privatiza e artificializa as dimensões mais importantes da vida humana! O problema é que a pós-modernidade não cansa em dissolver as meta-narrativas. Ou seja, está cada vez mais comum acreditar que, neste mundo, o último que sair apaga a luz.
Caro Felipe,
Dissolvendo as meta-narrativas a pós-modernidade arma um Templo inviolável a adoração de Mamons. Os gritos de revolta ouvidos nas imediações do templo vão aos poucos se incorporando ao coro dos adoradores do próprio umbigo. Estou quase lá.
uauuuu
amei o seu post!
muito bom... olha, vou te colocar na listinha de blogs que indico, ok?
beijos,
alê
Alê,
Agradeço sua visita e as palavras carinhosas. Aproveito a oportunidade para também inserir seu espaço na minha lista de Recomendados.
Beijão.
Ele veio Paratodos, os incluídos e os excluídos.
O amor de Deus é democrático (louvado seja!).O homem quer limitar o ilimitável, porque já não sabe amar. Nossas relações são virtuais, nem nos damos mais o trabalho de demonstrar sentimentos, desde que aprendemos a digitá-los...
Um abraço, Alysson! (digitado)
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