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Meus olhos leram hoje Êxodos, um incômodo livro do fotógrafo mineiro Sebastião Salgado. Sua lente empática e o preto e branco da fotografia nos obriga a uma jornada que sob alguns aspectos é bastante desagradável.
Não se pode negar que a fotografia de Salgado é artística, e como tal chega a provocar certo grau de prazer. Um prazer que convive com o desconforto. Aquele que vai colocar em nossos lábios algumas palavras hipócritas.
Quando nos apercebemos que aqueles não são atores de um filme premiado em Cannes, que não foram maquiados para receber aquele corpo tragado pela miséria, é precisamente aqui que o prazer dá lugar a uma terrível sensação de impotência. Aflora o amor pela humanidade.
Tolice. Como nos lembra o velho Kierkegaard, quando “o sentimento se torna imaginário, o eu evapora-se mais e mais, até não ser ao fim senão uma espécie de sensibilidade impessoal, desumana, doravante sem vínculo num indivíduo, mas partilhando não sei que existência abstrata, a idéia de humanidade, por exemplo.”
Como o dilema da personagem de Dostoievski: “amo a humanidade, mas acho estranho este meu sentimento, pois, se amo a humanidade em geral, cada vez mais detesto os homens em particular, isto é, como seres isolados, como indivíduos. Muitas vezes, sonhei apaixonadamente servir à humanidade com todo o meu ser. Poderia até deixar-me crucificar pelos homens, se isto fosse necessário para a sua salvação, mas, ao mesmo tempo, não sou capaz de partilhar com alguém meu quarto por dois dias seguidos. Quando sinto a outrem perto de mim, a sua personalidade afeta o meu amor próprio e limita minha liberdade. Em vinte e quatro horas, sou capaz de chegar a odiar o melhor homem do mundo. A uns odeio porque levam muito tempo a almoçar, a outros porque estão resfriados e se assoam continuamente. (...) Não obstante, enquanto crescia este ódio ao homem em particular, tornava-se cada vez mais ardente meu amor à humanidade."
É o máximo que a fotografia de Salgado nos permite: reconhecer que é fácil amar a humanidade sentado a nossa escrivaninha, se deliciando com um xícara de capuccino a luz de um abajur.
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Não se pode negar que a fotografia de Salgado é artística, e como tal chega a provocar certo grau de prazer. Um prazer que convive com o desconforto. Aquele que vai colocar em nossos lábios algumas palavras hipócritas.
Quando nos apercebemos que aqueles não são atores de um filme premiado em Cannes, que não foram maquiados para receber aquele corpo tragado pela miséria, é precisamente aqui que o prazer dá lugar a uma terrível sensação de impotência. Aflora o amor pela humanidade.
Tolice. Como nos lembra o velho Kierkegaard, quando “o sentimento se torna imaginário, o eu evapora-se mais e mais, até não ser ao fim senão uma espécie de sensibilidade impessoal, desumana, doravante sem vínculo num indivíduo, mas partilhando não sei que existência abstrata, a idéia de humanidade, por exemplo.”
Como o dilema da personagem de Dostoievski: “amo a humanidade, mas acho estranho este meu sentimento, pois, se amo a humanidade em geral, cada vez mais detesto os homens em particular, isto é, como seres isolados, como indivíduos. Muitas vezes, sonhei apaixonadamente servir à humanidade com todo o meu ser. Poderia até deixar-me crucificar pelos homens, se isto fosse necessário para a sua salvação, mas, ao mesmo tempo, não sou capaz de partilhar com alguém meu quarto por dois dias seguidos. Quando sinto a outrem perto de mim, a sua personalidade afeta o meu amor próprio e limita minha liberdade. Em vinte e quatro horas, sou capaz de chegar a odiar o melhor homem do mundo. A uns odeio porque levam muito tempo a almoçar, a outros porque estão resfriados e se assoam continuamente. (...) Não obstante, enquanto crescia este ódio ao homem em particular, tornava-se cada vez mais ardente meu amor à humanidade."
É o máximo que a fotografia de Salgado nos permite: reconhecer que é fácil amar a humanidade sentado a nossa escrivaninha, se deliciando com um xícara de capuccino a luz de um abajur.
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5 comentários:
É, esse não é o acervo do Sebastião Salgado, apenas, é a reserva de pecado de toda a humanidade. Bom trabalho, meu caro.
A imagem artística é, sem sombra de dúvida, um objeto do belo. O repúdio é resultado daquilo que este belo provoca na gente. Quem disse que belo tem a ver com beleza? O pintor renascentista Rafael pintava a partir de uma certa idéia, idéia essa, às vezes, não presente na realidade. O belo é idéia, mas hoje a gente o vê na realidade, como nos mostra Sebastião Salgado.
gosto muito do trabalho do Sebastião Salgado.
Estive na exposição dele, a mais nova, Genesis, q teve no Museu de Artes e Ofícios aqui em novembro passado.
;)
A lente de Sebastião Salgado, consegue captar além do físico... nos põe em contato com a alma dessas pessoas! Quanta dor, desespero, revolta... ainda que nossa noção de sofrimento seja bem limitada!
Realmente, o que tentar falar, não passará de hipócritas palavras.
Agradeço Lou,
É sim, reserva dos nossos pecados. Aqueles pecados coletivos que atravessam gerações. Até quando?
Abs.
Felipão,
Você tem razão. O belo não raras vezes provoca repúdio. É o homem transcendendo e tomando consciência da sua miséria.
Abs.
Natália,
Salgado é realmente genial. Não fiquei sabendo da exposição. Da próxima vez você me chama. Sua cia vai ser um prazer.
Bjs.
Janete,
Sim. É incrível como uma fotografia seja de capaz de nos colocar em contato com a alma de um homem.
Bjs.
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