sexta-feira, abril 20, 2007

Democracia e Educação

É natural que a consolidação da democracia se dê por um processo mais ou menos lento, mormente em um país de dimensões continentais e realidades tão díspares como o nosso. Há que se fazer um esforço permanente para irradiar a todas as instâncias de poder a instalação do processo democrático, e só então teremos uma democracia autêntica, construída efetivamente pelo povo e não simplesmente imposta como regime político.

Como é cediço, o clientelismo político é prática ainda corrente entre nós, e emerge sempre como elemento antagônico a instalação daqueles processos democráticos. Uma barreira que precisa ser constantemente superada.

Um setor especialmente afetado pelo clientelismo são os estabelecimentos de ensino de Educação Básica, sobretudo em razão da nossa descentralização de competências administrativas no que tange a educação.

A escolha de diretores de estabelecimento de ensino no Brasil contempla as formas mais usuais de um clientelismo amparado e mesmo incentivado pela legislação e pelos Tribunais.

A Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação editou um Caderno indicando as formas mais usuais de provimento ao cargo de diretor. Cito as principais: 1) diretor livremente indicado pelos poderes públicos; 2) diretor aprovado em concurso público e 3) eleição direta para diretor.

Versa o art. 37, II da Constituição Federal que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.

A leitura do artigo supracitado indica as únicas duas formas de acesso a cargo público: 1) concurso público; ou 2) livre nomeação, nos casos de cargo em comissão. Ou seja, das formas de provimento para cargo de diretor indicadas pelo Ministério da Educação, apenas as duas primeiras recebem amparo legal. Nestes termos, a legislação (pasmem!) proíbe a eleição direta para diretor.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal vêm declarando a inconstitucionalidade de dispositivos de várias Constituições Estaduais que garantiam a eleição direta para diretor nos estabelecimentos de ensino dos respectivos Estados.

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, ARTIGO 213, § 1º. LEIS GAÚCHAS NºS 9.233/91 E 9.263/91. ELEIÇÃO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE DIRETORES DE UNIDADE DE ENSINO. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. É competência privativa do Chefe do Poder Executivo o provimento de cargos em comissão de diretor de escola pública. 2. Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, artigo 213, § 1º, e Leis estaduais nºs 9.233 e 9.263, de 1991. Eleição para o preenchimento de cargos de diretores de unidade de ensino público. Inconstitucionalidade. Ação Direta de Inconstitucionalidade procedente. (STF, ADIn 578-RS)

Ocorre que até o Ministério da Educação, que indica naquele Caderno a eleição direta como a melhor forma de provimento ao cargo de diretor, parece ignorar que as normas que disciplinam esta forma de provimento estão sujeitas a qualquer momento a declaração de inconstitucionalidade pelo Judiciário.

A Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte, bem como as LO de vários municípios brasileiros e Constituições Estaduais garantem a eleição direta como forma de provimento ao cargo de diretor. No entanto, tais leis estão sujeitas a perder sua validade por eventual declaração de inconstitucionalidade. Ademais, vários municípios e estados continuam usando e abusando do clientelismo político permitido (e incentivado) pela norma legal.

Portanto, parece-me razoável (e é estranho que depois de algumas pesquisas não encontrei ninguém sustentando isto) uma mudança urgente no texto constitucional, por meio de Emenda, que permita, no caso especial de diretor de estabelecimento de ensino, o provimento por eleições diretas.

Estarei pesquisando sobre o tema, e convoco todos os (poucos) leitores deste blog a juntar-se a mim, em nome de uma democracia que precisa ser concretizada.

***

NOTA: Ao ler os votos proferidos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal na citada ADIn 578-RS pude perceber que em relação a matéria existem vozes divergentes (leia-se, lúcidas) naquela Corte. Sustenta o notável ministro Marco Aurélio Mello, que votou pelo indeferimento da ADIn, que faz-se necessário, no caso, considerar a força do princípio federativo, permitindo aos Estados-membros, em suas respectivas Constituições Estaduais, a definição da forma de provimento de diretores das escolas públicas, até porque a própria Constituição da República descentralizou a competência legislativa em matéria de educação. O ministro Sepúlveda Pertecence, por sua vez, observa com lucidez que a gestão democrática na educação, positivada na Carta Constitucional (art. 206, CF/88) abriu margem a que as Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais, se for o caso, estabeleçam, para escolha de diretores de escola, sistema diverso daqueles inscritos no citado art. 37, II, CF/88.

Os votos pelo deferimento da ADIn foram, curiosamente, de ministros que já deixaram a Corte (Maurício Correa, Néri da Silveira e Carlos Velloso) e que representavam um grupo conservador que vem perdendo espaço no Supremo. É até dispensável dizer que os votos vencedores daqueles ministros estão fundamentados em vetustas compreensões do Direito e da teoria do Estado, atreladas a um paradigma liberal, insustentável no Estado Democrático de Direito encapado pela Carta de 1988. O ministro Maurício Correa, por exemplo, invoca o princípio da separação dos poderes para deferir a ADIn (o Legislativo não poderia interferir em nomeação atribuída ao Executivo.)

Com a nova composição da Corte é possível que a questão tome novos rumos em ADIns que porventura venham a ser ajuizadas. É esperar para ver.

* * * *

2 comentários:

Felipe Fanuel disse...

Caríssimo Alysson,

Li seu texto com atenção, porque o título exige que a leitura não seja mais uma entre tantas.

A sua preocupação é muito pertinente e a solução deste problema depende de uma mobilização urgente. Este tipo de luta não costuma ser fácil para pessoas comuns, por mais articuladas que sejam, num país como o nosso, cheio de embaraços burocrático-políticos.

Todavia, ainda creio no poder transformador da ação conjunta. A democracia, nestes cantos do mundo, só há de alcançar maturidade quando for construídas por cidadãos insentos de compromissos políticos formais.

Pode contar comigo neste sonho coletivo, Amigo.

Alysson Amorim disse...

Amigo,

É, sim, uma questão relevante.

E é um tipo de luta ainda muito difícil de vencer integralmente; mas pesquisando, mandando uns e-mails, mantendo contatos, algumas vitórias parciais a gente sempre alcança - e já é alguma coisa.

Agradeço seu apoio. =)

A gente ainda fala sobre o tema.

Abs.

Uma ótima semana.