quinta-feira, abril 19, 2007

Impunidade e sociedade do espetáculo

Dizer que a impunidade assola os quatro quantos do país é insistir em uma nota desgastada. Música enfadonha. Não, porém, quando executada pelos dedos hábeis de políticos e jornalistas, que transformam o tédio de uma melodia pobre em autêntico concerto, para o gozo absoluto de uma sociedade do espetáculo.

O circo montado. No picadeiro a impunidade é desafiada com as espadas mais pomposas: da prisão perpétua a pena de morte. Soluções estas avalizadas pelo rumor violento das palmas indignadas: “pesquisa do Senado mostra que 75% dos entrevistados acreditam que a prisão perpétua resolve a insegurança nas ruas, que 93% não querem benefício para quem comete crime hediondo, 87% querem a mesma punição para adultos e menores envolvidos em crimes." (Jornal Estado de Minas, 19/04/07)

Não poderia ser diferente. Depois da violência sórdida desnudada em horário nobre só se pode esperar dos telespectadores os olhos marejados pela indignação, as retinas dilatadas pelo medo, o desejo de aniquilar o bandido, ainda que antes seja necessário aniquilar a democracia. Empatia cinematográfica.

O problema mesmo da impunidade é abandonado, em nome de uma ficção hollywoodiana, em nome de pontos no Ibope e cédulas na urna. As conseqüências são as mais desastrosas: a acentuação da própria impunidade e a desconsideração pelas garantias mais comezinhas do Estado democrático.

* * * *

5 comentários:

Felipe Fanuel disse...

Alysson,

Por incrível que se pareça, este tipo de comportamento de jornalistas, longe de ser uma iniciativa em prol da sociedade, torna-se cada vez mais uma mera notícia pela notícia.

Não há disposição em fazer nada além de noticiar fatos sempre mais medonhos. A indústria do crime se sente a dona do pedaço, pois a popularidade de seu reino cresce com a ajudinha da TV. É uma verdadeira benesse para os bandidos ver o terror que podem causar em uma nação, a ponto de governante algum ser capaz de apontar a solução para o problema.

Como você disse, a impunidade fica aí, em franco crescimento sujo, como um lixo a céu aberto; se proliferando como traças, que uma vez dentro de sua estante, dificilmente saem.

Já dizia Jesus, não se coloca vinho novo em odres velhos. Esses odres brasileiros já estão para lá de pútridos! A democracia aqui quer andar, mas eu não suporto essa nossa vocação por engatinhar. Pior que isso, só o inferno, que, a propósito, já andam construindo por aqui, aquecendo as fornalhas do lago de enxofre... Esse negócio de insegurança já virou frenesi!

Alysson Amorim disse...

Felipe,

Muito bem lembrado. A atuação da mídia no Brasil transforma a criminalidade em uma ficção hollywoodiana, e isto só faz agravar a própria criminalidade, também por este aspecto que você apontou: a indústria do crime se vê reconhecida pela imprensa, o tapinha nas costas: "você é um mal sujeito, mas faz um baita de um serviço".

Na sociedade das celebridades (fomentanda também pela própria mídia - vide BBB) o que vale é ser reconhecido, ainda que por práticas cruéis. Essa coisa de trabalhador honesto que morre anônimo, definitivamente, está fora de moda.

Lamentável.

Abraços.

Felipe Fanuel disse...

Essa discussão vai longe, Amigo...

Acho que os meios de comunicação forjam opiniões e cosmovisões, como se fossem propaganda de guerra. Atemorizam a todos para depois estabelecerem um império de controle. Querem dominar custe o que custar. É um verdadeiro jogo de poder, onde as emissoras querem ser as grandes potências do país. O sonho delas, e o nosso pesadelo, é que não haja mais governo, e sim mídia.

A cada dia isso parece ser a nossa realidade.

Forte abraço.

P.S.: O filme "Boa sorte, boa noite" mostra bem isso, quando a TV surge nos EUA.

Alysson Amorim disse...

Felipe,

Sim. É uma discussão que vai longe...

Não estou muito certo se existe um interesse livremente dirigido neste sentido: dominar a população. Mas o resultado frequentemente é este.

Buscar uma solução nos leva novamente a pensar em educação e cultura. Aliás, educação deveria virar logo sinônimo de solução.

E não adianta deixar esta tarefa de educar para a mídia (que é legalmente obrigada a fazê-lo, diga-se de passagem, sobretudo a televisão, por gozar de licença pública)

Nos falta uma certa identidade cultural para romper as amarras que impede nossa democracia de andar. Ainda não fomos capazes de superar muita coisa da ditadura. Com as devidas ressalvas, vale lembrar a Alemanha, que se levantou derrotada de duas guerras mundiais. É um povo com arraigada identidade cultural.

Sim, o "Boa noite, boa sorte" fala da questão. Mas aquele filme é muito claustrofóbico. Sala fechada, muita fumaça e política. rsrs

Abs.

Janete Cardoso disse...

Oi!
Punição, só para os homens de bem...
bom fds, bjs!