terça-feira, fevereiro 27, 2007

Sob a luz bruxuleante de uma vela

Poesia, suponho, é uma maneira de olhar; está adormecida em nossas retinas até que um parco sopro qualquer a desperte.

É uma poetisa a vovó que varre o quintal pela manhã, e o faz como se perseguisse com suas pernas frágeis o doce e misterioso fonema dos pássaros, numa espécie de dança etérea. Uma poetinha a menina que deixa a sandália de lado para sentir o carinho da relva.

Dois crimes atingem diariamente parcela considerável da humanidade: ser obrigado a acordar antes do sol e enfrentar toda esta tortura sob o toque insuportável de um despertador. Nestes primeiros golpes a poesia já cai moribunda e as dez da manhã não passará de um cadáver fétido.

Ontem faltou luz por aqui. Cheguei em casa sedento por um banho e descobri que não me restava senão uma ducha de água fria. Sedento pelo abajur que me faria mergulhar em um livro de literatura descobri que não me restava senão a trêmula e melancólica chama de uma vela. Sedento pela música agradável de John Mayer tive que me contentar com o silencioso e introspectivo crepitar da vela que iluminava minha escrivaninha.

Confesso que a poesia renasceu naquela escuridão, sob a luz bruxuleante de uma vela.

Temendo que a luz elétrica voltasse, apaguei a vela e fui dormir mais cedo, ouvindo as misteriosas histórias que a lua e as estrelas contavam, qual rainhas soberanas. Me recordo de uma que me impressionou bastante: declamavam em belíssimos versos que Deus extraiu os sisos.

* * * *

6 comentários:

Felipe Fanuel disse...

Magnífico, simplesmente magnífico! Às vezes, queremos tanta coisa que esquecemos de ver o mais fascinante da vida. Quem dera pudéssemos ter um tipo de experiência semelhante todos os dias!

Sabe, pelo que me lembro, sempre quando cai a energia, eu tenho oportunidade de aprender alguma coisa. Na última vez, aqui em casa, eu fui parar na cozinha lavando a louça. (hahaha) Guardo uma lembrança lá do interior, quando era criança, de que era só faltar luz que minha avó começava a contar histórias. Ô tempo bom, sô!

Sinceramente, a escuridão faz bem, porque nos leva justamente para o lugar de onde queremos fugir: nós mesmos. Sim, por causa do medo somos obrigados a olhar para o lugar mais seguro da crise que se encontra lá nos recônditos da alma.

Forte abraço, Alysson!

Mariangela disse...

Já é normal entrar aqui, ler e ficar sem palavras. =)

Tá mto bom!
bjO ;*

Alysson Amorim disse...

Felipão,

Perfeito: "a escuridão faz bem, porque nos leva justamente para o lugar de onde queremos fugir: nós mesmos." Retrata bem minha experiência essa semana. Quando falham os botões da civilização - um dos maiores responsáveis por nossas fugas diárias - acabamos nos encontrando.

Seu ótimo comentário vale como uma postagem.

Obrigado pelas suas palavras. São sempre um grande incentivo para manter essa difícil empresa de atualizar com frequência um blog.

Mari, querida.

Obrigado pela visita e pelas palavras sempre carinhosas.

Saudades, menina!

Bjs.

Tamara Queiroz disse...

A vida é poesia pura. Sim, a maneira como olhamos para ela é que faz toda a diferença.

Só espero que exista poucos poetas fingidores...

Janete Cardoso disse...

O que nos resta, quando falta energia elétrica? Sem poesia, se usarmos apenas a razão, o melhor é mesmo desistir e "dormir". Porém, se olharmos a vida com o coração, podemos tirar proveito das menores coisas e aquilo que parece um transtorno, pode ter seu lado bom e produtivo.
A vida é cheia desses momentos de escuridão, mas temos a chama da esperança, que não se apaga facilmente! E nessas situações, sempre temos algo a aprender.
Já disse o Apóstolo Paulo:" Sabemos que todas as coisas, concorrem para o bem daqueles que amam a Deus". Rom 8:28a (todas as coisas, boas ou não).
Que Deus permita, que através do cintilar da nossa pequena fé, nossos olhos enxerguem poesia, em plena adversidade! Bjs.

Alysson Amorim disse...

Tamara,

O problema é que ser poeta é ser um pouco fingidor. Impossível fugir a isto.

Bjo-letas

Janete,

Isso mesmo.

"Que Deus permita, que através do cintilar da nossa pequena fé, nossos olhos enxerguem poesia, em plena adversidade!"

Sob a chama precária da fé podemos ver muita coisa.

Obrigado pela visita.

Bjs.