segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Amar

Mariana chorava. Chorava e as lágrimas que escorriam de seus olhos misturavam-se com o sangue que sua boca expulsava. Chorava lágrima, sangue e dente. Ao receber a notícia que sua filha estava grávida, Sr. Artur não se conteve e atingiu-a com um soco pesado na boca.

– Olha o que você fez, Artú. Os dente dela tá caindo tudo. Pega uma bacia, homem – Dona Custódia gritava com desespero, andando pela cozinha do barracão completamente desnorteada.

Artur não pegou a bacia. Pegou a garrafa de pinga que estava sob a mesa, sentou-se no canto do cômodo e passou a jogar o líquido sob suas têmporas nuas. Mariana dirigiu-se até o pai e começou a beijar-lhe a face com sua boca ensaguentada. Havia uns vinte anos que seus lábios não tocavam a pele do pai. O último beijo, ela podia lembrar com exatidão, foi um beijo desdentado. Um beijo desdentado que agora se repetia.

* * * *

7 comentários:

Felipe Fanuel disse...

Caro Alysson,
Devo dizer que o clímax deste miniconto se dobrou diante de seu desfecho. Digo, esperei muito de todo mundo menos de Mariana, porque geralmente a vítima, mesmo sendo protagonista, tem um papel passivo neste tipo de história. Surpreendente!

O verbo amar lá em cima já deveria ser um indicador para o leitor dessa chave-de-ouro que viria no final, fazendo-me lembrar do estilo dos poemas parnasianos em cuja última estrofe se encontrava a moral da história.

No conteúdo, vejo que este tipo de "amar" possui reminiscência de uma ação milenar de amar a quem lhe fizer o mal. Os cristãos compraram essa briga por questão de sobrevivência. Perderam muitos dentes... Ah, se perderam!

Todavia, se é para discutir a ação do amor, não vamos esquecer da justiça merecida ao pai. Brincadeira... Mas que sujeito, hein! Quer esperar a filha ficar banguela para aprender que é crime dos mais desumanos encostar o dedo em uma mulher?

Aplausos para sua postagem!

Alysson Amorim disse...

Camarada Felipe,

Novamente um comentário agregador.

Esta "ação milenar de amar a quem lhe fizer o mal" renova minha esperança na humanidade. O ser humano é capaz destas ações grandiosas.

Quanto ao pai, que a "justiça externa" seja feita. Porque lá no íntimo ele já aprendeu, e com duras penas, que em mulher não se bate nem com o mindinho.

Agradeço os comentários elogiosos.

Abs.

Tamara Queiroz disse...

Continuo acreditando que as pessoas esperam o GRANDE para aprender o simples.

......
Eu passei por uma experiência um pouco parecida, só não estava grávida nem recebi um soco, mas tive que ter a atitude que um adulto deveria ter tomado a anos e anos passados.

A tragédia nos leva ao encontro do amor (infelizmente!) - às vezes, pode ser tão trágico e tardio.

B-joletas "importadas" até BH.

Janete Cardoso disse...

Me identifico muito com Mariana, pois passei por essa situação... No meu caso, o agressor não foi meu pai, que já havia falecido na época, mas vi minha mãe correr de um lado para o outro, tentando me proteger das agressões vindas de fora, da sociedade. Até hoje me sinto meio "desdentada"... o preconceito é cruel! rs

Tamara Queiroz disse...

Eu moro em São Bernardo do Campo/ SP. Campo que é bom!, aqui não tem não.

O "B-joletas 'importadas' até BH" foi só uma brincadeirinha. Coisa de baiana - risos.

Mais b-joletas.

Alysson Amorim disse...

Tamara,

Então és uma baiana encantada por São Paulo. =)

B-joletas mineiras.

Janete,

Sim. A agressão intolerante nasce às vezes de uma sociedade com seus mil e um preconceitos.

=)

Bjs.

Carolina Mansur disse...

Alysson,
Obrigada pela delicadeza em comentar no meu recém-nascido blog. Ainda estou me acostumando com ele e por esse motivo não o atualizei. Logo logo volto a escrever. Novamente obrigada pelas palavras e aproveito para elogiá-lo também.

Um beijo
Carol Mansur