quarta-feira, julho 05, 2006

Match Point e Crime e Castigo


Match Point, Woody Allen.

Match Point! Partida empatada. A bola toca a rede e cai. Onde? A resposta fica com a sorte.

Competência e disciplina são fatores secundários. Tudo é uma questão de sorte. Esta é a tese defendida pelo protagonista do novo filme de Woody Allen, Chris Wilton (interpretado pelo ótimo Jonathan Rhys-Meyers). No desenrolar da trama, a própria vida de Chris vai confirmando sua tese.

A sorte bate em suas portas. E não apenas uma única vez: o casamento realiza suas ambições de ascensão social, o adultério permanece oculto, o crime fica sem castigo. Chris é um homem de sorte, o que não significa dizer que seja um homem feliz.

O filme tem a presença constante da obra Crime e Castigo de Dostoievski. Em uma das cenas, no início da película, Chris aparece lendo a obra, que é fonte de inspiração para algumas de suas ações posteriores.

A sorte de Chris é a mesma do Raskolnikov de Dostoievski: o destino, com suas súbitas pinceladas, consome as provas tidas como irrefutáveis e obsta o castigo. Não menos verdadeiro é que a infelicidade que carregam também os aproxima.

Se com aqueles bruscos golpes de azar o destino tecia as tragédias gregas, com seus golpes de sorte teceu as tragédias de Raskolnikov e Chris. A infelicidade dos gregos, feridos pelo azar, é a mesma dos heróis de Dostoievski e Woody Allen, feridos pela sorte. Tanto que Chris vai lembrar a frase de um famoso clássico, Ésquilo se não me engano, de que para muitos “a felicidade seria jamais ter nascido”.

Raskolnikov tinha Sônia, a garota tímida que o ensinou a necessidade de abrir mão da sorte para alcançar a redenção. Está aqui toda a diferença. Em Dostoievski, Raskolnikov jogou no lixo o bilhete premiado e encontrou a felicidade. Em Woody Allen, não há redenção, a última cena do filme mostra um Chris carregando nas mãos a sorte e no peito uma tristeza dilacerante.

7 comentários:

Marina disse...

RETRIBUINDO A VISITA...

E INSTIGANDO porque, se é levado pela sorte a não ser punido pelo crime o castigo no caso dele não seria a própria sorte, que o absolve perante a polícia mas o deixa desprotegido diante da realidade em que crê? se lembra da cena em que ele tem a visão da garota e da vizinha, já mortas (não me lembro os nomes...) e conversa com elas, ele diz alguma coisa no sentido de que seria bom que houvesse uma punição que o fizesse então acreditar em algum tipo de justiça...

Alysson Amorim disse...

Claro! A sorte, no caso de Chris, somente impede uma punição exterior. A punição interior, permanece. É aquela "tristeza dilacerante" a que me referi. Aqui entra a questão levantada por Sônia a Raskolnikov em "Crime e Castigo": o jovem precisava confessar o crime para espiar a culpa. Para Chris, não havia Sônia...

Alysson Amorim disse...

Já viu o "Crimes e Pecados" do Woody Allen? Lembra-se do destino de Judah? O tempo foi suficiente para fazê-lo se esquecer da culpa que o dilacerava. O mesmo não aconteceria com Chris?

Marina disse...

não acredito em se esquecer, particularmente não acredito em se esquecer de uma culpa. talvez relegá-la ao calabouço das coisas inconscientes: porém não é aí que se tornam mais perigosas?

mas vou procurar assistir o filme primeiro pra não ficar falando besteira...

Marina disse...

acho que a punição exterior dá parâmetro para a culpa. com parâmetro ela ganha medida e aí se torna reparável. enquanto não recebemos a punição parece que a culpa é um balão inflável que se alimenta da respiração dos pulmões...

Alysson Amorim disse...

Sim, você tem razão. Se esquecer de uma culpa não é uma coisa possível. Mas veja o filme, depois me diga qual impressão teve.

Instigando um pouco mais. E não seria este "balão inflável", ele próprio, a maior das punições?

Marina disse...

a mais severa delas...