quarta-feira, abril 16, 2008

Chutando a escada

A liberalização da economia internacional que rebentou com a crise da década de 70 e agigantou-se entre os destroços do Muro de Berlim é sintomática de uma medida drástica cujo objetivo mais inequívoco seria proteger e conservar a hegemonia norte-americana. Um kicking away the ladder (chutando a escada) na polêmica tese sustentada pelo economista coreano Ha-Joon Chang.

Chang sustenta que nenhuma hegemonia capitalista mundial se edificou sobre alicerces puramente liberais. A Inglaterra oitocentista passou ao largo de ser mera espectadora de uma mão invisível. Foi, ao contrário do que se apregoa, mais drasticamente protecionista em suas relações internacionais que sua rival França. Até 1846, data de revogação das leis que definiam pesadas tarifas alfandegárias a importação do trigo, a Inglaterra usava largamente medidas protecionistas como taxas alfandegárias e subsídios para exportação. O imperialismo de livre comércio inglês erigiu-se, paradoxalmente, sobre bases protecionistas. A liberalização só passa a ditar os rumos da economia internacional quando a Inglaterra alcança o topo da escada.

Também os Estados Unidos dependeram do protecionismo para erigir seu império. O keynesianismo é seguramente o exemplo mais imediato, embora não seja o único. Antes mesmo da crise de 1929 os norte-americanos abusavam de medidas protecionistas.

A atual tendência liberalizante da economia internacional é interpretada pelas lentes de Chang como o chute na escada executado pelos Estados Unidos. Giovanni Arrighi, manejando o conceito gramsciano de hegemonia, afirma que “um Estado dominante exerce uma função hegemônica quando lidera o sistema de Estados numa direção desejada e, com isso, é percebido como buscando um interesse geral.” Os paladinos do neoliberalismo, militando não raro no interior de organizações estratégicas como a OMC, pretendem convencer as economias em desenvolvimento que a liberalização é “direção desejada” e “interesse geral”, enfim, dogma inarredável aos Estados que postulam posição privilegiada no cenário internacional. Seguindo a senda de Chang não é difícil perceber que tudo não passa de um colossal embuste: a liberalização em um cenário de absoluta desigualdade material entre os Estados apenas reforça hegemonias e perpetua dependências. É um chute na escada.

* * * *

8 comentários:

Alice disse...

Alysson.... esse texto ta muito bom...muuuuuuuuuuiiiiiiittttooooooooo bommmmmmmmmmmmmmmm !!!!
beijos no seu coração

Felipe Fanuel disse...

Alysson,

Obrigado pela excelente leitura que você compartilhou conosco aqui neste texto. O problema é que infelizmente esse "chute na escada" é dado por todos os países no páreo do sistema capitalista.

A economia mundial celebra a hipocrisia. Ficam falando que é a fome é culpa dos países em desenvolvimento também. Não percebem que nós, aqui, sustentamos suas riquezas lá.

Não adianta livre comércio com subsídios. É uma falácia. Se houvesse de fato uma seriedade em liberar as relações comerciais entre os países, com protecionismo zero, veríamos um outro capitalismo surgir no mundo. Um capitalismo mais humano, mais justo, por mais esdrúxulas que essas expressãos pareçam.

Império e protecionismo combinam perfeitamente. A hegemonia ianque, no entanto, corre risco de vida atualmente. Já vieram nos pedir ajuda. Faremos o quê? Anões salvando gigantes? Impossível! Cabe a nós a tarefa de aproveitar esta oportunidade para reformar a visão econômica mundial. As soluções criativas em países como o Brasil merecem ganhar o prestígio devido. (E.g. os biocombustíveis)

Aí que mora o problema. Os países ricos já estão temendo isso. Para tanto, acusam a energia limpa de vilã para a alta dos alimentos. Tenha piedade! Outro chute na escada.

Um domingo maravilhoso para você.

Alysson Amorim disse...

Exatamente, Felipe,

Os resmungos nortistas dirigidos ao biocombustível tentam sangrar dois coelhos em um golpe: ocultar a escada chutada e ainda impedir a escalada alternativa do Brasil no cenário internacional.

É de ciência geral que a alta dos alimentos é provocada antes pelo protecionismo agrícolola de norte-americanos e europeus (um protecionismo, aliás, que marcha na contramão dos conselhos econômicos das próprias potências do Norte e de suas instituições vassalas) que pelo avanço do biocombustível.

Biocombustível é, como você bem disse, produto da criatividade brasileira: já que chutaram a escada, teçamos nossas cordas.

Abraço caloroso e um ótimo domingo também por aí.

Felipe Fanuel disse...

Rapaz,

Você sabe que sou mais Heloísa Helena que Lula, mas dificilmente entrará um presidente em Brasília que conserve o esforço diplomático do presidente petista.

Ele comprou a briga dos biocombustíveis em oposição ao petróleo. Ele não tem medo de culpar os países ricos pela fome do mundo pobre. Ele anistiou dívidas de países africanos. Ele vincula nacionalismo a uma forte posição do Brasil no cenário mundial, sobretudo com uma vaga permanente no Conselho de Segurança. Ele é simpático a uma integração sul-americana que inclua todos os países da América. Et cetera.

Agora, você consegue imaginar algum presidenciável PSDBista ou PMDBista com tamanha ousadia para desafiar, nem que seja apenas ideologicamente, as potências mundiais? Vai ser difícil. Voltará a reinar o reino dos capachos, tendo FfHhCc como sua inspiração, onde a devida continência aos generais maiores foi batida com toda reverência. É bom ou ruim? Coloquemos na balança.

Abraço.

Alysson Amorim disse...

Estou com você uma vez mais. Julgo ser a política externa o maior êxito do governo Lula. Boa parte desse êxito deve ser creditado na conta do competentíssimo chanceler Celso Amorim - competente a começar pelo nome (risos).

ROGÉRIO B. FERREIRA disse...

Apesar de não ser o único fator, talvez não o principal (talvez sim) o bio combustível contribui também para a alta dos preços dos alimentos. É uma questão simples de custo de oportunidade...

Felipe Fanuel disse...

Vc quer dizer o biocombustível norte-americano, não é, Roger? Aquele feito de milho. Porque aqui no Brasil sobra terra para plantar comida. E, convenhamos, garapa não enche barriga de ninguém. O nosso álcool, apesar de sua produção braçal ainda ser feita por bóia-frias, nada contribui para a alta dos alimentos.

Filipe Liepkan Maranhão disse...

não sou tão pessimista. o brasil faz o mesmo com o paraguay e argentina quanto à política de produtos tecnológicos e calçados.

de uma forma ou de outra, estamos entrando no rol daquelas nações odiadas e alvo dos bonecos-de-pano queimados ao vento.