sábado, janeiro 13, 2007

Convite a uma aventura necessária

Férias de bolsos vazios cedo ou tarde viram tédio. Mas as compensações nunca faltam, como o prazer de garimpar cuidadosamente, por horas a fio, imensas estantes de Literatura. Ontem, numa destas empreitadas, encontrei um pequeno volume intitulado “O homem invisível” assinado por G.K. Chesterton e recomendado com incrível entusiasmo por Jorge Luís Borges.

Não estava errado. Foi desnecessário transpor as primeiras linhas para perceber que a sorte de garimpeiro havia sorrido pra mim. Chesterton conduz suas histórias policiais com uma habilidade singular. O Borges estava com a razão, os contos daquele esquecido literato inglês apenas simulam ser policiais, são muito mais do que isso.

Chesterton nos convida para uma aventura com o seu Padre Brown. Voltamos sem fôlego, um pouco arrependidos até, terrivelmente certos de que por traz de nossa batina e de nosso sorriso cristão, esconde-se um monstro, um assassino. O método do detive Padre Brown não é o das finas ligações lógicas de Sherlock Holmes e Dupin.

Não. Ele penetra no criminoso, num verdadeiro exercício religioso de empatia, luta com suas paixões até que “tenha me recurvado na postura de seu ódio protuberante e perscrutante, até que eu veja o mundo com seus olhos injetados e semicerrados, olhando entre a luz intermitente de sua concentração semi-alerta; admirando a perspectiva curta e rápida de um caminho reto para um lago de sangue. Até que eu seja realmente o assassino”.

É uma aventura oposta a aventura do julgamento. Passamos da cadeira acolchoada do magistrado para o banco rude do réu, perdemos a toga e ganhamos um uniforme tosco. O malhete se transforma em uma algema, a nos prender os braços e a alma. A consciência tranquila se dissolve e somos coroados com uma culpa inflável.

Saímos tontos, com os olhos ofuscados por enfrentar tão luminosa verdade: - somos criminosos também. Aventura desconfortável, mas necessária. Afinal, Chesterton está mesmo com a razão: “nenhum homem é, de fato, bom, enquanto não souber qual mal ele é, ou poderia ser”.

4 comentários:

Felipe Fanuel disse...

Alysson,
Que sorte a tua de garimpeiro, hein! Tomara que esse encontro com Chesterton te coloque cada vez mais na rota de uma "aventura necessária", por mais desconfortável que se pareça.

Tenha uma ótima semana!

P.s.: Foi um prazer poder conversar um pouco mais com vc hoje. Vida eterna a essa nossa mais nova amizade! :)

Alysson Amorim disse...

Pois é meu camarada!

Um mineiro tem que ter sorte de garimpeiro pelo menos uma vez na vida, não é mesmo?

Sim, vida eterna a nossa amizade!

Abração.

Anônimo disse...

Oi Alysson, é um prazer conhecer um blog como o seu - de um cristão pensante.
Preciso ler algo de Cherterton, pois no livro do Philip Yancey "Alma Sobrevivente" ele citou o autor e incita a leitura das obras dele.
Lembro que O yancey conta que ele era um homem meio gordo e que dava muita risada. Também que ele tentou explicar o problema do prazer. Segundo ele, os filósofos tentam sempre explicar o sofrimento, por que nao o prazer?
Já leu "Alma sobrevivente"?
Abraço,

Tamara Queiroz disse...

Instigante aventura!

“nenhum homem é, de fato, bom, enquanto não souber qual mal ele é, ou poderia ser” - isto assusta e ao mesmo tempo me tranquiliza.

B-joletas.